Por Emari Andrade
Em uma época em que tanto se fala de liberdades individuais ou da era da informação globalizada, muitos jovens se prendem (e sofrem) com a expectativa dos outros
Você já parou para pensar em quantas escolhas fazemos diariamente? Quando optamos por fazer X e não Y, no que nos baseamos? Seria em um automatismo repetitivo, no olhar ou expectativa do outro ou no desejo decidido? O ser humano precisa escolher a todo momento. O livro que vai ler, o filme a que vai assistir, a palavra que vai usar, o modo como vai responder uma questão, o curso ou faculdade que vai fazer, a profissão a seguir. Mas, aqueles que escolhem um curso e se arrependem, no que se pautaram?
No último dia 24 de julho, a Agência USP de Notícias publicou a matéria intitulada “Alunos da USP ainda têm dúvidas sobre a carreira escolhida”. A notícia destaca uma pesquisa de doutorado, defendida em maio de 2015 no Instituto de Psicologia da Universidade, que traz uma análise dos principais motivos que geram as dúvidas e inseguranças quanto às escolhas de jovens universitários entre 18 e 30 anos. Muitos jovens, logo após o primeiro semestre do curso, declararam “insatisfeitos ou hesitantes” quanto à escolha da carreira.
Mas, por que esses jovens, após terem enfrentado uma acirrada disputa no vestibular mais concorrido do país (muitas vezes de dois a três anos), estão insatisfeitos com suas escolhas? A pesquisa aponta que o principal motivo que leva à insegurança dos jovens “está ligado à escolha inicial que muitas vezes foi feita com base na opinião de pais e amigos, em estereótipos da profissão ou ainda em pouquíssimo autoconhecimento”, destaca a pesquisadora.
É pena! Em uma época em que tanto se fala de liberdades individuais ou da era da informação globalizada, muitos jovens se prendem (e sofrem) com a expectativa dos outros. Temem a reação dos pais, caso escolham um curso que, na visão deles, “não atenderia às expectativas da família”, ou, ainda, temem os números do mercado financeiro ou tantos outros dizeres a respeito da profissão X ou Y. Esse medo leva muitos a perderem tempo (e a se perderem) em escolhas equivocadas, a sofrerem com isso ou, ainda, a viverem como se tivessem sido obrigados a seguir um destino irrevogável.
Mas, de fato, escolher não é fácil. Freud, já em 1930, estava preocupado com o “mal-estar” do ser humano e como esse poderia ser resolvido. Diferentemente de quem vê uma escolha como enfado, o psicanalista propõe que o ser humano pode escolher fazer uma obra que funciona como seu abrigo. É isso mesmo. O psicanalista não era do tipo que não pensava nas consequências de uma escolha.
Muito pelo contrário, na perspectiva de Freud, a produção de prazer é intensificada a partir das fontes do trabalho psíquico e intelectual. Assim, o ser humano ficaria mais feliz com a realização de um trabalho que pudesse “chamar de seu”. Nessa visada, tendo como abrigo uma obra para chamar de “sua”, a pessoa passa a viver de modo alegre, motivada, entusiasmada por seu trabalho.
Ele afirmou, na página 98, desse texto de 1930, “Quando isso acontece, o destino pouco pode fazer contra nós. Uma satisfação desse tipo, como, por exemplo, a alegria do artista em criar, em dar corpo às suas fantasias, ou a do cientista em solucionar problemas ou descobrir verdades, possui uma qualidade especial que, sem dúvida, um dia poderemos caracterizar em termos metapsicológicos”.
Mas, como chegar à criação de uma obra que funcione como abrigo? Na página 103, do mesmo texto, encontramos a resposta de Freud. Para ele, “Não existe uma regra de ouro que se aplique a todos”, por essa razão todo homem precisa descobrir e inventar “de que modo específico ele pode ser salvo”.
Para que isso ocorra, as escolhas não podem ser baseadas nas expectativas do outros, mas sim, no seu desejo decidido de ser agente da construção de uma carreira, seja ela qual for. Que a coragem e não o medo do olhar do outro pautem as nossas escolhas diariamente.
Emari Andrade é doutora em educação, professora de língua portuguesa e monitora do curso on-line do IPLA