Por Helainy Andrade
Escolha forçada reflete a postura de não recuar frente ao desejo, diz da decisão diante dos momentos cruciais de uma existência que pedem uma responsabilidade incondicional.
Há filmes que dialogam intimamente com a gente. Às vezes é a história como um todo que nos toca, outras, um detalhe, duas frases no recheio de uma cena. No meu caso foi a segunda opção, quando assisti a saga Star Wars, O Despertar da Força, 7º episódio. O filme, que estreou no dezembro último, deixou os fãs em polvorosa. Conquistou também novos adeptos, é o que indica o fato de ele ter explodido os recordes de bilheteria e se tornado a maior estreia da história do cinema.
Qual terá sido, há décadas, seu ingrediente “secreto” para o sucesso? O que ele tem que gera esse efeito de magnetismo em tantas pessoas? Quem sabe, foi o ritmo de aventura, a magia da história e personagens, o que o consagrou num ícone da cultura pop. Ou então, foi a boa medida entre cenas de combate, momentos sombrios e revelações. Ou mesmo a jornada do herói e seus dramas subjetivos. Isso sem contar o equilíbrio entre novos e velhos personagens. Todos esses sedutores predicativos estão na boca da crítica especializada e tudo isso parece ter contribuído muito para seu sucesso. Na condição de cinéfila apaixonada, o elemento que considero decisivo foi a simplicidade da trama. Capaz de girar em torno de uma questão central, da luta do bem contra o mal – nesse caso da Resistência contra a Primeira Ordem – de situações paralelas e personagens, na justa medida, sem exageros. Bingo! O filme fala a linguagem desse tempo, pontual e descomplicado.
O fato é que ele atraiu uma legião de fãs e de novos seguidores. Em uma visada psicanalítica, me permito ressaltar, desse 7° episódio, um diálogo entre Rey e a anciã sábia, Maz. É uma cena que conversa com cada um de nós espectadores. Em alguns momentos da nossa vida somos todos Rey, com o sabre nas mãos, sem ter pra onde correr, a não ser lutar. Refiro-me ao momento em que a personagem toca na espada que esperava para ser empunhada. No mesmo instante ela vê passar diante dos próprios olhos a sua vida. É um confronto com a morte. Uma parte da sua vida será perdida: o passado, a esperança. Seus pais não voltariam mais. Não adiantaria se colocar em espera, como tinha feito até então ao longo da sua existência. É um momento duro, quase insuportável. Ela preferiria não ter tocado no sabre para não ter tido essa revelação. Sai correndo, mas sua fuga não vai longe, ela estava em pleno campo de batalha e daí em diante, fez o que havia se preparado durante toda a vida: lutou.
“O destino que você procura não está atrás de você, mas à frente.” Disse-lhe Maz. O acento das nossas escolhas não está no passado e sim no futuro. Rey, em sendo guerreira não podia não lutar, sob pena de morrer. Não se foge de si mesmo. Assim é também nossa posição frente ao desejo. O desejo na psicanálise é uma força estranha e íntima, que move a cada um, apesar da razão e consciência volitiva da pessoa. Desejo é o outro nome do inconsciente. Não é sinônimo de querer, vai à contra mão do bom senso e do racionalmente explicável. É singular, expressão da subjetividade única de uma pessoa, diz das suas escolhas, as mais estranhas e esquisitas, o que pede responsabilidade para sustentá-las. Escolha forçada reflete a postura de não recuar frente ao desejo. Diz da decisão diante de momentos cruciais de uma existência, metaforizada na máxima de Jacques Lacan, “a bolsa ou a vida.” Diante daquilo temos que decidir, é fazer ou fazer. Qualquer semelhança com o nosso desejo, não é mera coincidência.
Helainy Andrade é psicanalista em Varginha-MG e membro do Instituto da Psicanálise Lacaniana – IPLA-SP.
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