A dureza da vida angelical 16/04/2015

Por Fabiana Guedes de Oliveira

A religião dá respostas para o que não tem resposta. Enfim, ela liberta ou aprisiona?

Sinceramente: quem de nós não passou por algum tipo de educação religiosa? A religião foi para a família, e ainda está sendo para boa parte da sociedade, um poderoso veículo de ensinamento moral.  

O que as religiões têm em comum é dar respostas para o que não há resposta. Querem conduzir o rebanho de fiéis para os bons pastos do paraíso, ou para o nirvana ou para a paz perpétua, se quiserem. Oferecem uma das maneiras de se esquivar do mal-estar da civilização, como já dizia Sigmund Freud.

No entanto, o caminho para se chegar a isso não é sem percalços. Há obrigações a serem cumpridas. Cada religião diz o que os fiéis devem ou não fazer. Chamam à obediência aos mandamentos da Lei. Caso os fiéis não obedeçam, a paz eterna não lhes será merecida.

A clareza de suas normas a seguir seduz a quem se sente perdido diante da falta de norte em nossa sociedade globalizada. Espera-se que o Divino oriente os passos, onde o humano perdeu as rédeas. Espera-se que o Outro diga o que fazer, para assim satisfazê-lo e conquistar o merecimento. Espera-se, enfim, garantias do Além às custas da liberdade.

 Mas, se olharmos com o olhar da psicanálise nossa mísera existência humana veremos que não somos perfeitos. Não somos feitos os anjos. Estamos mais para frutos do “pecado” do que para merecedores do céu. Nas estórias que inventamos, podemos gostar mais dos vilões e das vilãs do que dos mocinhos e das mocinhas, um tanto quanto chatos.

Complicou o meio de campo. Para os que questionam demanda da religião por uma vida angelical, seja cá na terra, seja lá no céu, não há salvação. Mas, se se escolhe não ser religioso, qual o problema? Por que incomoda tanto se alguém opta por ser ateu, agnóstico ou transitar em várias religiões (só para garantir)? Porque sai fora do senso comum da escolha entre o bem e o mal.

Acompanhamos, hoje, manifestações de posturas extremas, de ações violentas em nome de Deus, em nome de uma verdade que julgam absoluta. Isso não só nas religiões, como também na política. Procuram-se certezas que colocam o diferente fora do balaio, e assim, fora do que é certo, fora do merecimento! Quem está fora do jogo entre o Bem e o Mal parece não merecer respeito ou compaixão, caridade, para falar na linguagem religiosa. Nesse contexto, os ditos filhos de Deus se comportam como juízes impiedosos, condenando o diferente ao patamar de diabinhos chifrudos!

As diferenças incomodam por quê? Talvez, porque respeitando-as sejamos todos tocados a encarar que não existem anjos, nem demônios, nem super-heróis. Não há perfeição e nem escolhas sem risco. Essa dura realidade, sim, coloca-nos a todos no mesmo balaio. Pois somos castrados, incompletos, perdidos frente à não garantia, frente ao que Jacques Lacan chama de Real. A psicanálise indica-nos a responsabilidade sem garantias, como diz Jorge Forbes, para lidarmos com as mudanças sociais. Podemos dessa maneira nem heroica nem angelical, trilhar novos caminhos para o futuro bem terrestre, que, como espero, tenha espaço para a diferença, a singularidade. Que isso possibilite a soma e não a divisão!

Fabiana Guedes de Oliveira é psicanalista em Rio Branco, no Acre.