A criatividade dos nossos avós e a preguiça de inventar o nunca visto 01/09/2016

Por João Francisco Rüdiger Verona

Os dramas familiares dos neuróticos, que todo mundo conta seguindo sempre um mesmo esquema, são enfadonhos, já disse Sigmund Freud, há um século

A corrida de bigas já fez a alegria de nossos avós numa época, na qual o cinema trazia cenas capazes de tirar o fôlego dos espectadores. Era 1959, quando estreou o filme Ben Hur com Charlton Heston no papel do herói judaico escravizado pelos romanos que consegue se libertar graças à sua destreza na condução da biga, carro de corrida puxado por cavalos, numa cena que fez história no cinema.  Animado para assistir  a versão contemporânea do filme em 3D, atualmente em cartaz, saí da sala de cinema com mal-estar e uma pergunta: Onde  foi parar a criatividade da minha geração?

Estamos acomodados a um ciclo de reprodução, há anos. Nossa cultura estagnada pelo apelo que  faz vender o que é  interessante para o mercado: sem riscos, ousadia, sem alma. Mas, sem o risco a cultura é chata por ser previsível. Mesmo grandes histórias, como o épico Ben Hur,  podem ser dilaceradas pela cautela.

Em outra ocasião, fiquei animado ao saber que haveria novos episódios de Star Wars a serem contados e assistidos. Porém, na mesma medida, fiquei  decepcionado ao ver o resultado do primeiro episódio. Prometia novas revelações sobre os personagens do épico futurista. Onde estava a novidade? Tudo pareceu excessivamente familiar, mesmo porque o episódio acaba não passando de um drama (quase chicano) em família. Os dramas familiares dos neuróticos, que todo mundo conta seguindo sempre um mesmo esquema, são enfadonhos, já disse Sigmund Freud, há um século.    

O que estão fazendo  os que criam novos contos, os poetas, os criativos? Teriam eles desaparecido? Somos, hoje, unicamente capazes de (mal) replicar?

A massiva reprodução de filmes antigos, de citações de cenas de filmes já vistos e o remake de novelas de sucesso de outros carnavais deve ser sintoma de uma sociedade que se acovarda diante da possibilidade de transformar gostos e pensamentos. Ao que parece, temos preguiça de nos desafiar, medo de sair da bolha. Curtimos o eterno retorno, mas sem a coragem de modificá-lo. Presos às mesmas histórias, personagens, canções, ideias, vestes e lugares, tudo dentro dos conformes de uma implacável rotina, não saímos da zona de conforto física e mental, parados no tempo, perdendo a capacidade de criar.

Me recuso a acreditar que não há nada além da reprodução de ideias geniais de nossos avós.  Quantas ideias existem e  nunca saíram do papel? Quantos gênios ainda  não tiveram sua chance de presentear o mundo com uma bela obra? Talvez, porque não ousam sair da toca?  Sinto falta de uma obra divertida  que saia da lógica da receita estética dos heróis de  dentes brancos, de raça caucasiana, musculosos, de olhos claros, de pouca conversa e de muita ação e de total ausência de pensamento crítico, que, enfim, saia do tédio da  lógica neurótica. Nem todos os efeitos especiais do mundo, nos quais se investe fortunas, conseguem suprir a carência de novas ideias que não se encontram naquilo que já foi bom um dia, mas,  sim, no horizonte do nunca visto.

João Francisco Rüdiger Verona, é designer de jogos, sócio do RuVE Game Studio.  

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