A Clínica do Real e a epidemia do "amarelamento" 07/02/2013

Por Claudia Riolfi

Em plena época de volta às aulas, a psiquiatria inglesa da Segunda Guerra Mundial mostra soluções para professores desencorajados e desmotivados

Voltaram as aulas em São Paulo! Após quase 60 dias de recesso, poderíamos pintar um cenário composto por crianças saudosas e por professores descansados, renovados e cheios de amor para dar. Quanta ilusão… Os consultórios dos psicanalistas estão cheios de colegas em quem a vontade de viver é menor do que o compromisso com o seu trabalho.
Examinemos dois fragmentos de jornais que ilustram a afirmação precedente. Primeiro: “Quase 20% dos professores da rede básica de ensino do Estado de São Paulo sofre de depressão. O dado foi revelado pelo levantamento A Saúde do Professor na Rede Estadual de Ensino, feito pela Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) em parceria com o Dieese” (UOL, 05/10/2012). Segundo: “40% dos professores afastados por saúde tem depressão, aponta estudo. Pesquisa foi feita pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de SP”. (G1, 10/10/2012). É mole?
Como podemos ajudar estes colegas? Quando os interrogamos sobre a interpretação que eles dão às causas de seu adoecimento, sentam-se e afirmam que estão perdidos, que não sabem mais o que fazer. A partir do seu relato, uma conclusão se impõe: o pobre professor “amarelou”, ou, como bem diz o Houaiss, perdeu a coragem diante da situação difícil.
Quando entra em sala de aula, o professor se esquece do prazer de viver e abre mão da excitação, do rubor. Tem consciência de que ele bem que poderia buscar outros rumos para sua vida, mas não o faz. Descrente e desconfiado, prefere trilhar por um caminho pronto, o do saudosismo. Insiste na procura de um passado mítico, quando tudo era melhor. Quando falha, o resultado é a depressão.
Penso que um velho texto de Lacan ajuda a vislumbrar uma educação mais colorida. Narrando sua visita a Londres logo após as comemorações pelo término da Segunda Guerra Mundial, Lacan mostrou-se fascinado pelos ingleses que, ao contrário dos seus compatriotas, puderam, durante a guerra, não ceder de uma intrepidez que repousa “numa relação verídica com o real”.
Ao inteirar-se dos detalhes de várias experiências dos psiquiatras ingleses que, em sua avaliação, foram determinantes para que a Inglaterra pudesse ganhar a guerra, encontrou em Wilfred Bion um exemplo de pessoa que não varre o que incomoda para baixo do tapete. Em sua atividade em um hospital militar, Bion encarnou um elemento enigmático para transformar 400 soldados cuja indisciplina tinha impossibilitado a utilização no exército durante a Segunda Guerra em uma excelente tropa em marcha.
O que ele fez? Ele pôde ser, para seus subordinados, “um líder em quem sua experiência com os homens permita fixar com precisão a margem a ser dada às fraquezas deles, e que possa lhes manter os limites com sua autoridade, isto é, pelo fato de cada um saber que, uma vez assumida uma responsabilidade, ele não amarela”, relatou Lacan.
Aprendamos a lição de Bion. Como podemos combater o famigerado “amarelamento”? Fornecendo aos professores os meios para que, em seu fazer, se sintam autorizados a ser o que são. Para que não precisem varrer suas “fraquezas” para debaixo dos tapetes das estatísticas. Para que, frente a alunos considerados tão péssimos quanto os soldados tratados por Bion, possam colocar o saber inconsciente a seu serviço.
Precisarão disso para: 1) Fazer com que as novas gerações consigam se relacionar com o conhecimento historicamente construído; e 2) Inventar soluções apaixonantes que possam servir – aqui e agora – para os desafios encontrados. Boas aulas!

Para ler mais:

LACAN, Jacques. (1947). A psiquiatria inglesa e a guerra. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. p. 106- 126.