10 anos do livro Inconsciente & Responsabilidade: Psicanálise do século XXI, de Jorge Forbes 30/03/2023

Letícia Genesini



2023 marca 10 anos em que o livro “Inconsciente & Responsabilidade: Psicanálise do século XXI”, tese de doutorado de Jorge Forbes, recebeu o prêmio Jabuti. A data me permite um feliz pretexto para destacar, mais uma vez, essa justaposição que (ainda hoje) é nada óbvia: de que o inconsciente segue ao lado da responsabilidade.

Nada óbvia porque abala a noção corrente, tanto de inconsciente, como de responsabilidade. Esta última, no senso comum, vem junto a conselhos moralistas — “seja responsável, meu filho…” — que nos guiam para a justa ação, ao que bem nos cabe fazer. Já o inconsciente é justamente o que não bem cabe a ninguém, o que se coloca além de nós mesmos. É aquilo em que a gente tropeça constantemente, que nos pega desavisados, que acha brechas em sonhos, em ato falhos, em chistes… É o que levou Freud a dizer que o homem não é senhor em sua própria casa.

Então, como podemos ser responsáveis por aquilo que, sim, é nosso, mas que nos surpreende a nós mesmos, que nos atravessa? É essa pergunta que se coloca na tensão entre esses dois termos.

A tese, porém, vai ainda além. O que Forbes nos traz nessa obra é que frente ao inconsciente não há outra coisa a fazer senão nos responsabilizarmos. Não é uma colocação relativa… O livro não vem dizer que se pode também ser responsável, como quem diz “até onde eu puder, se puder, no que estiver ao meu alcance… vou me responsabilizar”. Não. É uma tese radical, que coloca que frente ao inconsciente a única posição possível — não sintomática — é a posição responsável.

Para fundamentar isso, nos voltamos à psicopatologia freudiana, que divide as expressões sintomáticas em neurose, psicose, perversão. Estas são três maneiras, destaca Forbes, do ser humano se colocar em relação ao mundo. Uma vez que a natureza não nos forneceu esse mapa, uma vez que nossa essência é vazia, que há sempre um descompasso entre o homem e o mundo, o sintoma se coloca como uma tentativa de recobrir essa distância, de dar uma justa medida para nossa existência. São formas sintomáticas de insistir que haveria um bem-estar na civilização, uma maneira biunívoca, diria Forbes, de estar no mundo. São posições, cada um a seu modo, que tamponam o Real. 

Dado, então, esse descompasso, essa fratura, essa fresta que é o Real, a gente pode tamponá-la, ou se pôr frente a esse resto impossível e desistir da coerência com o mundo. E se desistir da coerência com o mundo, sob o referencial simbólico, seria seguir no delírio do psicótico ou o ensimesmamento do perverso, vale lembrar mais uma vez que, aqui, estamos no campo do Real — e o jogo no campo do Real se abre para outras respostas.

O Real é o que nos atravessa por ser aquilo que não cabe em nenhuma metrificação, em nenhum nome, em nenhuma simbolização. É a surpresa que se reitera a todo instante. Por sempre nos escapar, ele não se dá por estandarte, bússola ou referencial fixo, tal qual o simbólico. Tentar tomar o Real por esses parâmetros é entrar num jogo vertiginoso, mas é possível sustentar sua condução de vazio. É possível, coloca Jorge Forbes, buscar um equilíbrio com esse intangível. É justamente por essa baliza, por esse jogo de corpo com o Real, que somos responsáveis.

Ao desistir da coerência de um bem-estar, cada um tem que se responsabilizar pelo seu modo de estar no mundo, pelo seu acaso, pela sua surpresa, pelo seu inconsciente.

Nada óbvio. Assim, o livro nos convida a lê-lo novamente.